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Sr Adelino, a sabedoria do Cazumbá.

Esse é um recorte da nossa conversa com o Sr. Adelino, espero que gostem. Na sua casa feita de madeira sobre pilotis, ele nos recebeu para uma roda de conversa com sua fala mansa e cativante. Os sapatos ficam de fora da sala, a sala tem fotos e livros. Sr. Adelino contém histórias. Foi um privilégio.


‘Em agosto de 1993 foi criada a associação de seringueiros do Cazumbá. Depois a gente foi crescendo aos poucos, mas a origem mesmo, de hoje ser quase uma vila, foi o trabalho efetuado por uma senhora chamada Joventina, que começou com a bíblia, mesmo sem condição. Ela é a mãe do Nenzinho, da tia Nói e da Dona Algecida, do Longa da minha secretária também e de outros e outros. Ela começou esse trabalho certamente em 1977, supomos que tenha sido essa data, pois não há nada escrito. Ela já estava com uns quatro anos que trabalhava quando foi chamada, isso em dezembro de 1980, por isso que eu digo que ela começou esse trabalho em 1977. Daí foi crescendo, surgindo lideranças, até que em 31 de dezembro de 1983, houve um ajuntamento do pessoal daqui do Cazumbá, deu mais ou menos umas cem pessoas. Eu estava presente. Eu trabalhava ainda em Rio Branco, mas estava presente, assisti a festa. Fizeram uma festa muito bonita, por sinal, e daí nasceu nessa noite a comunidade eclesial de base. A Joventina já tinha ido, então as pessoas que ficaram foram se formando como novos líderes. Foram se animando, se reanimando e criaram uma comunidade, construíram uma casa de palha, chão batido e lá começaram a trabalhar. O trabalho foi avante, ficou muito bonito, criaram grupos de evangelização na periferia e daí nasceu o Cazumbá.


Na linha social as dificuldades são constantes, na linha religiosa espiritual há também muitas dificuldades. Eu diria que a fé do povo não está equivalente com a necessidade. Eu vejo isso. Há um pouco de fé, em mim mesmo. Estou o mais idoso de toda a comunidade, 89 anos. Então, há um pouco disso, de fracasso na minha fé, eu vejo eu sinto e vivo. A gente vai levando, vamos levando um trabalho, um tanto organizado e ao mesmo tempo eu acho que está um pouco fraco na fé. Um dos líderes é músico, trabalha com os jovens, mora aqui um pouco distante, é da família também. Eu vejo assim, de um lado vai caminhando, mesmo com as dificuldades. Por quê? Um dos pontos mais negativos, é que nós não temos a constância, ou seja, a presença periódica de um padre. Às vezes o padre vem uma vez por ano. Então isso, eu considero uma grande dificuldade. As irmãs religiosas também poderiam dar uma força, estão preparadas, e isso é uma dificuldade. Então vejo como uma dificuldade, a falta de um padre, que é um homem preparado que pode ajudar, como nós aqui todos somos leigos se preparam. O Senhor Divino nos prepara.


Um ponto que esqueci de colocar em relação à dificuldade, não é uma dificuldade, é com referência à juventude. Todos eles já estão preparados, com segundo grau completo, alguns com faculdade. Então isso é um ponto positivo do que eu vejo, considerando que eu, o mais velho da comunidade, eu só tenho o primeiro grau. Parece impossível não é, mas só tenho o primeiro grau. Não foi possível estudar e foi. Foi e não foi, porque quando eu completei o primário eu tinha 36 anos e foi quando eu me empreguei. Aí com um pouco de tempo uma pessoa me perguntou:

“Você estuda?”

Eu disse; “não, eu já estou velho!”

Essa pessoa disse: “para com isso, que eu estou mais velho do que você e vou estudar e vou me formar. Eu tenho 42 anos e vou me formar.”

E se formou. Então aquilo me incentivou e eu completei o primeiro grau, mas aí me acomodei de tal forma. Porque, a minha justificativa “eu já estou empregado. Eu já estou ganhando o meu trocado e já sei assinar. Então, me acomodei, eu tinha tudo para dar continuidade e formar. E aí então eu vim, eu sinto a dificuldade em mim, dessa falta de conhecimento. Eu não tenho a capacidade de conhecimento para superar e ajudar. Eu sou fraco.


Há um detalhe que precisa ser corrigido. Eu fui covarde, eu fui covarde, eu tive a oportunidade, eu tinha a condição, de estudar, de continuar e me formar. Eu não fiz por uma questão própria, mas eu vejo também, se eu tivesse continuado, se eu tivesse estudado e me formado, eu não estaria aqui.

Figura 1- Sr. Adelino de branco nos recebendo em sua casa.

Eu adorei o nosso encontro e gostaria de cobrar que cada pessoa, se for possível, deixasse uma mensagem nesse livro.

Figura 2 – Sr. Adelino e Rita Demarchi

Figura 3 – Foto Cleonice Pereira. Encontro do grupo com o Sr. Adelino

Ana Carmen Nogueira, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie. Graduação em Artes Plásticas. Especialista em Educação Especial com aprofundamento na área de deficiência visual e Arteterapia.


Desenvolve pesquisa de pintura encáustica, ministra cursos desta técnica e atua como Arteterapeuta no Ana Carmen Ateliê de Arte.


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